A crise da Língua Inglesa nas escolas públicas
Por José Avelange Oliveira*
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) de Língua Estrangeira preconizam a aprendizagem dessas línguas como “direito básico de todas as pessoas”, capaz de promover maior participação social e acesso amplo dos jovens e adultos às redes de comunicação atuais e à imensa variedade de informações presentes na sociedade contemporânea. As escolas públicas, entretanto, parecem ainda muito longe de cumprir sua função, neste particular.
Não é possível investigar o problema a fundo, num breve artigo de opinião como este, mas as causas da discrepância entre os parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Educação e a prática do ensino-aprendizagem de LE são de fácil constatação, tanto que se tornou lugar comum identificar os problemas de formação de professores, de escassez de materiais didáticos e de desinteresse dos alunos como as principais razões para tamanho fracasso das salas de aula de Língua Inglesa, por exemplo, que ainda é a língua estrangeira predominante nos currículos escolares de todo o país.
Ultimamente os alunos do Ensino Médio conquistaram o direito de acesso gratuito a livros didáticos de qualidade, acompanhados de Cds que, em princípio, garantiriam muito mais qualidade na aprendizagem das línguas, além disso, cresce o número de profissionais docentes capacitados a desenvolver um bom trabalho, contudo, não é difícil notar que os resultados ainda ficam aquém do esperado.
Ao que tudo indica, o chamado filtro afetivo dos estudantes, sobretudo em relação ao ensino da Língua Inglesa, é muito alto em cidades do interior, onde as perspectivas de trabalho que apresentem como requisito habilidades comunicativas nesta língua são muito pequenas. Os adolescentes ou jovens se sentem inseguros, constrangidos a uma aprendizagem que lhes parece exigir imensamente mais do que podem oferecer, e isso se expressa muito bem, na medida em que a maioria dos concluintes do Ensino Médio, em Riachão do Jacuípe, e possivelmente em outros lugares, demonstram interesse em optar pela Língua Espanhola, durante os exames vestibulares, mesmo sem jamais ter estudado este idioma. Se por um lado existe, nesta decisão, a fantasia do tipo “Espanhol é quase igual ao Português”, por outro, boa parte dos estudantes estão sinalizando claramente quanto à língua estrangeira que preferem.
De fato, uma boa forma de captar o interesse dos estudantes, desde o ensino fundamental, para a aprendizagem de novas línguas, no Brasil, pode ser apresentar-lhes um idioma latino, cuja semelhança com o Português possa ser particularmente interessante para muitos. Evidentemente as aptidões dos aprendizes variam, mas a experiência mostra uma que a língua anglo-saxônica, nestas nossas escolas do sertão, não tem sido bem assimilada – não por falta de inteligência dos alunos, mas talvez por falta de consulta quanto ao interesse deles em relação à escolha de uma LE para o currículo escolar.
Não excluo, com esta reflexão, a importância de se estudar Inglês, desenvolver habilidades comunicativas mínimas, neste idioma, mas defendo que se amplie efetivamente o leque de possibilidades, como a legislação já prevê, no sentido de que a comunidade escolar possa decidir a língua estrangeira que deve predominar no currículo e que os aprendizes possam recebê-la com prazer. Fora dessa possibilidade, os resultados serão sempre pobres.
José Avelange Oliveira, professor, autor do livro Busque a Leveza da Vida, pela Agbook.
A presença das línguas indígenas no uso diário brasileiro
Por Luiza Lessa*
Vem de longe a influência indígena na língua portuguesa do Brasil. E as pessoas estão tão habituadas com essa cultura que não se dão conta do tanto que existe de indígena no cotidiano brasileiro. Desde Cardim (1629) já se tinha informação de que os portugueses, na ocupação do Brasil, a partir de 1532, valeram-se dos nativos para ocupar o litoral brasileiro e, depois, o sertão (interior do Brasil). E, nessas viagens, o índio denominava, para o europeu, as coisas do lugar como nomes da fauna, flora, rios, montanhas, vida e costumes do Brasil.
Segundo afirmam alguns historiadores, o povoamento no interior do Brasil deveu-se ao fato de os índios da costa ser agressivos aos invasores portugueses. Esses índios da costa eram os tupis, e os índios do interior os tapuias (inimigos dos tupis). De todo o modo, sendo algumas tribos guerreiras e outras menos guerreiras, o Brasil foi povoado, gradativamente, ao sabor da “língua geral” que nada mais era do que o tupi. A denominação “geral”, segundo Gladstone Chaves de Melo (1979), devia-se à grande população indígena da raça tupi. Assim, o tupi era a língua indígena mais importante e quem não falava o tupi como língua primeira falava-o como língua segunda. De sorte que o tupi foi a língua mais falada no Brasil até o século XVIII, início do século XIX, sob a denominação de “língua geral”.
Depreende-se, no contexto do povoamento e colonização do Brasil, que o europeu precisou aprender a língua do índio. A língua portuguesa foi a língua oficial, escrita em documentos, mas a língua falada foi o tupi. É compreensível, nesse contexto, o grande legado que o povo tupi deixou ao português brasileiro. São inúmeras as palavras, no Brasil, compostas pela palavra tupi ita (= pedra). Este é um vocábulo toponímico básico, como são também as palavras pira(= peixe).
A grande freqüência do ita no português se deve, primeiro, ao fato de a pedra ou a montanha ser um elemento importante para se marcar caminhos e rotas, como foi no caso dos bandeirantes paulistas, nos séculos XVII e XVIII, que falavam tupi e deixavam essas indicações por onde passavam. Segundo, porque muitos minérios que os indígenas não conheciam, como o ferro e o ouro, receberam nomes compostos por ita, como nos exemplos: Itaberaba/Itaberá (pedra que brilha), Itaberabuçu (pedra grande que brilha), que foi dar o famoso Sabarabuçu, ou Itacolomi/Itacurumim (pedra em forma de criança nos braços da mãe), Itaimbé/Itambé (pedra, com borda/precipício), Itabira (pedra levantada), importantes referências geográficas nas rotas paulistas em Minas; no segundo caso: encontram-se palavras como itajuba/itajubá (pedra amarela/ouro), itaobi (pedra verde, esmeralda), e alguns neologismos, isto é, palavras estranhas ao tupi e que foram criadas como: itajutinga (ouro branco/prata), Itayngapema (borduna de pedra/ espada), itamaracá (pedra que soa, sino), itacuruça (cruz de ferro), itamembeca (pedra ou ferro mole/chumbo), itamiju (pedra pequena amarela/topázio), itajyca (pedra/ferro duro, estanho), itanema (pedra fétida, o cobre, o azinhave).
É claro que os exemplos não ficam nas poucas ilustrações acima. Há muitas outras palavras indígenas, com forte presença na linguagem acreana e, dentre tantas, se enumeram:
Capiau (ou kapiaba: kaa = mato + abá = gente): gente do mato, matuto, acanhado.
Capixaba (kopiçaba: ko = roça + [p]i = pequeno + taba/[ç]aba = local para roça): nome dado ao morador do Espírito Santo.
Cupim (kupi’i): térmita, cupim.
Jururu (provável variante de cururu: sapo): melancólico, tristonho.
Lengalenga (nheenga = fala + nheenga = fala): muita conversa, conversa fiada.
Mocó: roedor da família dos cavídeos; na gíria, casa rústica. Diz-se também da pessoa caipira, jegue, cafona.
Nhen-nhen-nhen (forma apocopada de nheeenga-nheenga, usada nas regiões onde houve influência guarani). O mesmo que lengalenga.
Oi: saudação tupi.
Saúva (Yçá = formiga + aú/aúba = comer): espécie de formiga.
Sururu (seru’ru = mexilhão): mexilhão; revolta, motim.
Tapera (taba = aldeia + puera = o que foi): aldeia abandonada; casa em ruínas.
Tiririca (aimotyryryk = arrastar): planta que se espalha. Diz-se também da pessoa zangada, brava por algo.
Toró (forma sincopada de tororó): tempestade, chuva forte.
Tororó (língua geral?): fonte, bica; conversa fiada.
Tracajá (gal. Teracajá = quelônio): tracajá, tartaruga da Amazônia.
Vê-se, dos exemplos, que nós brasileiros conhecemos muitas palavras tupis, assim como internalizamos muitos hábitos e costumes desses nossos ancestrais, tais como: tomar banho todos os dias; andar um atrás dos outros; dormir em rede; andar enfeitado, pintado; usar roupa colorida; utilizar objetos feitos de barro e cipó; beber aluá; comer paçoca, farofa, pamonha, mucunzá. Enfim, há tanta herança indígena que não nos damos conta de sua extensão em nossas vidas. Mas sempre é bom lembrar o legado que tanto enriqueceu a cultura e os povos do Brasil.
Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Mestra em Letras pela Universidade Federal Fluminense; Membro da Academia Brasileira de Filologia; Membro da Academia Acreana de Letras.